Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar a fila no banco, mesmo que disfarçadamente.
Meu pai, hoje com 82 anos, só teve a oportunidade de estudar até a terceira série do ensino fundamental. Porém, frequentou a universidade da vida e, por meio dela, se tornou pós-doutor em vivências e
Mais uma vez ficou evidente a urgência da ética em nossa sociedade brasileira. Por ética entendemos a forma de ser no mundo por meio da qual o sujeito concreto se sente comprometido com a dignidade do ser humano e com a justiça social. Leonardo Boff define a ética como sendo tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivemos para que seja uma moradia saudável. Assim sendo, a ética não é outra coisa senão cuidar para que a Terra seja sempre uma morada saudável. É cuidar das pessoas de modo que elas, sentindo-se bem, possam, de fato, comprometer-se com a felicidade das demais. Portanto, cuidado e ética são sinônimos.
Hoje se fala demais de ética. Porém, isso não é o bastante. É indispensável que se desenvolva uma prática que torne eticamente correto o comportamento moral das pessoas
Aliás, não é difícil constatar como a corrupção está semeada entre nós. É bem conhecido o nosso "jeitinho brasileiro” de resolver os problemas. Estamos acostumados a práticas como "pagar por fora, pagar uma cerveja, pagar um guaraná, dar uma gorjeta” etc. Há o funcionário que massacra o colega, o estudante que copia e cola, o funcionário público que assina o ponto digital e some do seu local de trabalho, o professor que faz de conta que dá aula, o garoto riquinho que é flagrado cometendo delito e liga para o pai dele pedindo que fale com o policial etc. etc. Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar a fila no banco, mesmo que disfarçadamente.
Falta-nos a coragem de parar para refletir sobre essas coisas; falta-nos sensibilidade e racionalidade para entendermos que o corrupto não chega sozinho à esfera pública. Ele é levado por eleitores, por boa parte daqueles mesmos que, hipocritamente, ficam escandalizados quando escutam o noticiário sobre a corrupção.
Mas para que possamos mudar esta situação é indispensável que não confundamos ética com moral. Esta última compreende normas,regras de ação e fatos a ela relacionados. A moral seria um conjunto de princípios e de prescrições que as pessoas de um determinado grupo humano consideram válidos, bem como os atos reais deles decorrentes. A moral é normalmente determinada a partir da cultura, da filosofia e da ideologia dominante. Na moral as pessoas se atêm às normas fixas que lhes possam assegurar que elas não estão erradas. Porém, na ética as pessoas escolhem o que fazer não a partir do que "não está errado”, mas a partir da consciência de justiça e de dignidade humana que possuem. Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, defende que, em muitos casos, precisamos transgredir as normas da moral para fazer prevalecer a ética. Isso porque nem sempre o que é moral é o melhor para seres humanos reais. Às vezes a ética precisa ser "imoral”.
No caso da absolvição da deputada, seus colegas entenderam que tal ato não era "imoral”, uma vez que ela não tinha recebido a propina na atual legislatura. Ao fazerem isso os deputados seguiram a moral e ofenderam a ética. O fato deixou também evidente que os eleitores desses deputados são moralistas. Eles se escandalizam com a corrupção e se decepcionam com a política, mas na hora de votar, não pensam no bem comum, não usam a razão. Do contrário não teriam votado nesses 265 deputados que absolveram uma colega que confessou publicamente a prática de um ato de corrupção.
Nosso país virou uma pocilga. Sente-se o mau cheiro por toda parte. E não adianta fazer protestos em frente ao Congresso Nacional, lavando o chão e as rampas. Precisamos lavar as nossas consciências, pois o fedor que sentimos não vem só de Brasília, vem de dentro de nós mesmos, de nossas cabeças corruptas. Somos um povo de maioria corrupta, que vota em corruptos. É duro dizer isso a nós mesmos, mas, enquanto não tivermos a coragem de fazer isso, a corrupção não terá fim. Meu velho pai, pós-doutorado em vida, sempre nos ensinou que "quem se mistura com porcos, farelos come”. Se no atual momento o Brasil exala este fedor de pocilga é porque a maioria dos brasileiros está "comendo farelo”, votando em "porcos” que adoram enlamear-se na corrupção.
Se quisermos ser éticos, e contribuirmos para que exista ética no Brasil, devemos estar preparados para transgredir certo tipo de moral, fazendo prevalecer a ética. Melhor dizendo, precisamos ter a coragem de lutar e de nos comportarmos de forma tal que as nossas normas morais coincidam com a ética.
Ainda resta o apelo ao Judiciário. Mas será que este poder também não vai trocar a ética pela moral, como fizeram recentemente com a chamada Lei da Ficha Limpa? Não foram estes nobres magistrados que permitiram que políticos comprovadamente corruptos, eleitos no último pleito, voltassem ao Congresso só porque não cometeram seus delitos na atual legislatura?
Vale a pena chamar em causa o meu conterrâneo Ruy Barbosa que quase cem anos atrás, em 1914, assim falava aos seus pares: "A falta de justiça, Senhores Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais. A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas. De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Ou, talvez, quem sabe, convidemos Aristóteles para que depois de vinte e quatro séculos volte e grite em nossas praças: "O mal prevalece quando os bons se calam”. Lembrando que para o filósofo grego bom é aquele que ama a ética, no sentido antes explicado.
(*) Filósofo. Doutor
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