sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ficha limpa em arquivo sujo

Pe. Alfredo J. Gonçalves *
* Assessor das Pastorais Sociais.


A aprovação, pela Câmara e pelo Senado, do Projeto Ficha Limpa deve ser comemorada, sem dúvida, mas há muito que fazer no campo da democracia brasileira. Uma retrospectiva ainda que superficial aos clássicos da trajetória política do país bastará para reconhecer que, se a ficha é limpa, o arquivo permanece sujo. De fato, algumas concepções de nossa história funcionam, simultaneamente, como chaves para entender o passado e como metáforas para ilustrar o presente.
Tomemos de início o tripé da economia: latifúndio, trabalho escravo e mono cultivo de exportação (Caio Prado Junior e Celso Furtado). Seguindo os princípios utilizados desde os tempos da Colônia e do Império, ou dos chamados "ciclos econômicos", a política econômica dos últimos governos segue dando primazia aos grandes empreendimentos, ao agro negócio, à empresa agrícola e agropecuária ou às grandes mineradoras. De escanteio e à míngua, ficam os pequenos produtores, a agricultura familiar e a economia solidária.
O tripé da economia alia-se ao trabalho escravo, degradante, infantil, domiciliar, camelô, feminino com remuneração inferior - em geral, formas já execradas pela história, mas ainda vigentes em muitos países como o Brasil. Alia-se também à exportação de produtos primários para os países centrais, o que faz o povo pagar os bens naturais a preços de mercado internacional. Essa tríplice base em que se assenta a economia brasileira vale não só para a questão da terra, mas também para a área das comunicações, da telefonia, da exploração do subsolo, e assim por diante. As fatias mais lucrativas e disputadas do mercado, como é o caso das telecomunicações, são entregues a uma elite reduzida da população brasileira.
Do ponto de vista político, tropeçamos logo com o conceito de patrimonialismo, que se define como a apropriação privada da rês pública, ou da coisa pública, em termos não só de poder, mas também de prestígio e de influência. Os donos do poder (Raymundo Faoro) costumam gerenciar os negócios políticos como gerenciam a própria fazenda ou empresa. O patrimônio privado se mescla com o patrimônio público. Daí o círculo vicioso entre donos do poder e donos da riqueza. O domínio sobre um campo transfere-se ao domínio sobre o outro. Tanto é verdade que as obras públicas são vistas naturalmente, por parte da própria população, como benefícios de Fulano, de Sicrano ou de Beltrano. Não só, mas não seria difícil identificar quem são os tradicionais "donos" de estados como a Bahia, o Maranhão, o Amazonas, Alagoas, entre outros.
Na perspectiva sócio-cultural, Casa Grande & Senzala (Gilberto Freire) segue retratando nossa realidade atual. Mas poderíamos citar também Roberto da Mata, Sérgio Buarque de Holanda, Câmara Cascudo... A verdade é que a casa grande das classes dominantes dispõe de privilégios intocáveis, enquanto a senzala dos trabalhadores conta apenas com favores. O pior é que estes, em última instância, dependem do humor do chefe de plantão. Na história do Brasil, cada vez que os moradores da senzala tentaram transformar os favores em direitos adquiridos, a resposta foi o chicote, o exército e a polícia. Aqui as lutas indígenas, negras e populares teriam muitos exemplos para ilustrar essa trajetória de libertação e repressão ao mesmo tempo.
Evidente que a aprovação do Projeto Ficha Limpa, que agora só depende do selo do Presidente da República, representa um avanço contra uma série de entraves históricos e estruturais da democracia brasileira. Mas o arquivo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário conserva ainda muita sujeira. Entre os três poderes da União, reina por vezes uma promiscuidade que desencadeia não poucos escândalos de corrupção e de uso indevido do poder público, bem como de uma influência suspeita junto aos apadrinhados.
Juntamente com a Lei 9840, esse projeto constitui um instrumento a mais na mão dos cidadãos. Mas não basta uma enxada para remover tanto entulho. Temos de prosseguir na luta contra a imunidade parlamentar, o foro privilegiado e outras benesses tanto distanciam os representantes do povo do cotidiano de seus eleitores. Como uma espécie rara de extraterrestres, prossegue no Planalto Central sua órbita secreta, no que diz respeito às prioridades da nação. Na planície, os simples mortais continuam lutando e sonhando com o chão e o pão. Como estamos em ano de eleições majoritárias, certamente receberemos deles algumas visitas e, se der sorte, alguns "regalitos" como dizem "nuestros hermanos".
Temos algo a comemorar, sim, mas há muito lixo a ser removido. Nos bastidores do cenário político, na calada da noite e à luz do dia, os parlamentares são muito mais representantes de seus interesses pessoais, familiares e de classe, do que representantes do povo. Daí a necessidade de avançar para formas de democracia direta e participativa, com novos mecanismos de controle por parte da população.

Esse É O Nosso Atual Governador

Veja o vídeo gravado pela Polícia Federal, com autorização judicial, é claro, da operação transparência, onde o atual Governador, Leonel Pavan é pego com a boca na botija.....

Serra, O Gênio

E a grande mídia coloca esta caricatura de candidato como o mais preparado para assumir a presidência. É um placebo.

A Propaganda Com Medo Da Lei

O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites na farra da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.

Laurindo Lalo Leal Filho*

Anúncio de página inteira publicado nos jornalões brasileiros, no dia 6/4, exalta os supostos benefícios da propaganda. Assinado por entidades de anunciantes e de agências de publicidade ele tenta reagir às iniciativas em favor da existência de um controle público sobre a propaganda. Trata-se de uma vitória dos movimentos sociais e das entidades empenhadas na luta por uma regulação mais rígida sobre essa atividade. Mostra, pelo menos, que elas começam a incomodar quem se julgava intocável.

Não fossem ações como as do Instituto Alana, com o seu projeto “Criança e Consumo”, por exemplo, e os publicitários jamais deixariam de lado o atendimento de suas ricas contas para preparar e publicar um texto incrivelmente enganoso, aliás, como muitas de suas peças publicitárias.

Depois de exaltarem a importância da propaganda na disputa pelo mercado chegam a uma conclusão inédita: “a grande maioria das pessoas gosta de propaganda”. Não dizem de onde tiraram tal conclusão. De que pesquisas saíram os dados para sustentar afirmativa tão cabal. É só mais um slogan, tão a gosto do meio.

Mas não ficam por aí. No final do texto está a resposta ao Instituto Alana e aos parlamentares comprometidos com uma legislação mais moderna para o setor. Diz o anúncio: “E quando alguém não gosta (da propaganda), faz o óbvio: muda de canal na hora do intervalo, troca a estação de rádio, deixa de ler o anúncio publicado no jornal”. Simples, não? Ou simplista demais?

Claro que quem escreveu esse texto sabe que isso não é verdade. Eles mesmos produzem o merchandising que campeiam à solta nas novelas, programas de auditório, transmissões esportivas e são veiculados de forma a impossibilitar a tal mudança de canal na hora do anúncio. Sabem também que ninguém vai girar o botão do rádio quando começa um comercial que o ouvinte, obviamente, nem sabe ainda do que se trata. E é difícil fechar os olhos para uma página inteira de jornal como essa publicada sob o patrocínio das entidades das agências de propaganda e dos anunciantes.

Afinal a missão desses profissionais é fazer de tudo para que o telespectador, o ouvinte e o leitor não desgrudem da mensagem e introjetem o seu conteúdo. É um contra-senso pedir para que eles fujam de algo embalado pelos publicitários para conquistá-los. Em novela recente, em meio à fantasia, a madame entra no carro novo sob o olhar de cobiça da empregada e ressalta, entre as várias qualidades do veículo, o fato de ele ter o piso alto, ficando imune às enchentes. Focalizava-se com destaque a marca do carro e passava-se a mensagem de que, com ele, o problema social das enchentes estaria resolvido. Individualmente, para quem pudesse comprar o tal carro. Aos demais a lama ou o afogamento.

Mas voltando ao anúncio publicado nos jornais. A frase final, referindo-se a possibilidade de mudar de canal, de emissora ou de página, é primorosa: “É impressão nossa ou isso é o direito de escolha levado a sério?”. Direito de escolha? Escolher entre o que? Entre emissoras que transmitem programas iguais, veiculam os mesmos anúncios e não dão nenhuma alternativa aos hábitos consumistas, individualistas e anti-sociais? E mais, que violam a lei sem cerimônia ao ultrapassar o limite máximo de 25% da programação permitidos para propaganda no rádio e na TV. Com a conivência silenciosa de agências e anunciantes.

Quando dirigida às crianças, os efeitos da publicidade tornam-se ainda mais perversos. A presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Vilela, conta que até em áreas carentes de cidades como São Paulo já é possível perceber esse fenômeno. A partir de um projeto social desenvolvido pela instituição na zona leste da cidade constatou-se que “crianças cujas famílias dependem de cestas básicas não saem de casa sem passar batom. Que acham que a maior felicidade do mundo é ter cabelos longos e loiros iguais aos da Barbie. Meninas que vestem micro-saias e ficam grávidas na adolescência. Meninos que insultam mulheres e tomam cerveja. Mães que, depois de muito choro e muita insistência dos filhos, gastam todo seu dinheiro para comprar um boneco Power Ranger. Filhos que depois de ganhar um Power Ranger, brincam dois dias, abandonam o boneco e começam a pedir a próxima novidade anunciada na televisão. Ou ainda garotos que falam que agora sim os pais podem comprar tudo o que querem porque determinado banco oferece crédito acompanhado de alguns bonequinhos de brinde. Crianças e adolescentes brasileiros repetindo diariamente o nome de inúmeras marcas, que algumas vezes estão entre as dez primeiras palavras de seu recém-formado vocabulário”.

Diz ainda que “do Rio Grande do Sul ao Amapá, das periferias dos grandes centros urbanos ao interior da Bahia, eles querem se vestir e comer da mesma forma. Querem marcas – usar o tênis Nike, comer Fandangos e ter a mochila da Hello Kitty. Preferem não ir à praia ou ao campo porque sabem que lá não encontrarão tevê ou videogame. Trocam o suco de mexerica por Coca-Cola, e arroz, feijão e couve, por Big Mac com batata frita”.

Para Ana Lucia “os pais não são os únicos responsáveis pelos filhos que não param de pedir produtos vistos na tevê, que são obesos, sexualmente precoces ou com comportamentos violentos. A responsabilidade maior está nas empresas e agências de publicidade que apostam no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária da infância e adolescência para criar consumidores fiéis: as crianças de consumo”.

O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação à denúncias como essa, aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites nessa farra e ao aumento das pesquisas científicas mostrando os males da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).