sábado, 24 de setembro de 2011

Democracia, imprensa e economia política - Mídia Envelhecida

Na ONU, a presidente Dilma Rousseff tocou no candente tema do envelhecimento das idéias do mundo industrializado e acenou com os novos horizontes de repensar a vida. O pano de fundo, é sem dúvida, a crise econômica que se insinua em meio às carcomidas estruturas de uma economia de mercado que baniu do seu léxico a palavra limites e se movimenta com ambições ilimitadas. Contudo, vale lembrar, muitas das novas idéias estão no passado e precisam ser atualizadas. Uma dessas idéias é a economia política, tema que as nossas mídias, inclusive a imprensa de esquerda, esqueceu. O que acontece?

A sociedade brasileira precisa apreender, e praticar, o conceito de economia política. Historicamente, nossas atenções se voltam para a política econômica. Trata-se da doutrina das corporações, em articulação com o Estado, para expropriar os ganhos do trabalho. É isto que faz com que o capital custe caro, os juros desafiem a gravidade e os impostos figurem entre os mais elevador do mundo. Tais distorções podem ser encontradas em todo o sistema tarifário brasileiro e, em especial, no sistema jurídico. A distância entre a política econômica e a realidade do cidadão, no sentido efetivo, é na essência, isto é a característica mais recorrente, o sistema de controle da sociedade. Vendo-se por esse ângulo fica a sensação de que não há saídas para as crises, sempre recorrentes. O cidadão, nessas condições, é sempre objeto, jamais sujeito, salvo se exigir mudanças sistêmicas.

Em outras palavras, a supressão da filosofia social de participação democrática está fundamentada na ação não dialética da política econômica. Seus movimentos restritivos se repetem, ampliando o grau de dependência social do cidadão, em lugar de emancipá-lo, como seria natural no sistema democrático. E democracia significa economia política, não apenas política econômica, em harmonia com a vida dos cidadãos.

A imprensa brasileira não discute a economia política. Sua teoria e prática, fundamentada numa visão ética do tipo neoplatônica - bons governos, boas leis, organização matemática da sociedade - concentra-se na política Econômica. Se há perversões, estas decorrem dos desvios dos governantes e de gestores, não das circunstâncias sistêmicas. São de responsabilidade dos indivíduos, nāo do sistema. Essa política não dialética, apartada de transformações radicais do ser social, substitui a pedagogia de uma imprensa que forme e informe o conhecimento, o interesse participativo e o direito, por uma postura denuncista.

Substitui, igualmente, o papel da imprensa como semeadora da vida em harmonia com a justiça, o bem (no sentido da não ilusão) e a organização coletiva da sociedade pela ênfase a personagens ícones nas diferentes esferas da vida. É por isso que entre as empresas jornalísticas prevalece o antigo método americano de que a boa notícia é a má noticia. Ou, da ênfase ao sucesso excepcional, absolutamente diferente, ao que se constitui a exceção. O culto aos fatos isolados é o culto à repetição, como acontecem com as denúncias de corrupção e as crises. E, se existem mudanças de método, são superficiais, resumindo-se à prestação de serviços. A imprensa, dessa forma, transforma-se num instrumento de controle, não de efetivo aperfeiçoamento democrático.

Na verdade, é graças à não discussão da economia política que a técnica do denuncismo, voltada para desvios éticos, vem funcionando de forma tão segura quanto a relojoaria avançada. É um Edifício que permanece intocado pelos governos que se sucederam com as eleições presidenciais livres, a partir dos anos 90. A filosofia social da mídia brasileira, contudo, é bem mais antiga. A negação dos sujeitos sociais sedimenta-se e se amplia desde o primeiro jornal brasileiro. O Correio Braziliense que nasceu no exílio, em Londres, pregava a independência com relação as cortes portuguesas, mas entendia que o povo devia ser mantido à distancia do poder. Ou, no máximo, como ocorreu na Revolução Francesa, na sua face reacionária, associar-se à futura classe dominante para conquistá-lo e, logo, ser afastado.

Os pressupostos mecanicistas da lei e da ordem, como pré-requisitos da liberdade, permanecem. É esta censura, com a permanente recusa aos fatos, que concebe o estado como organismo que reprime a democracia real, que tem referência na liberdade, como motor dinâmico da ordem, e não o contrário, a liberdade sendo a criadora efetiva da ordem. Há um choque crescente, no país, entre as leis formais e o Brasil real. Vários elementos podem explicar as suas formas anatômicas. De um lado, a reflexão sobre a democracia como sistema garantidor dos direitos individuais e coletivos, não é um tema atual. Não há sequer um debate amplo em torno dos direitos de participação e de fiscalização, pela sociedade, dos limites dos poderes públicos e privados, mas a palavra democracia, associada a liberdade, ganha livre trânsito.

Opõem-s ao neoliberalismo, converge para uma concepção republicana. Traz o cidadão para o centro das decisões publicas, independente da vontade dos governantes. Põe a nu as ambigüidades e contradições da grande imprensa. Se o modelo liberal conduz à despolitização, a palavra democracia é politizadora ao longo do tempo. Essa nuança enfraquece o poder da mídia tradicional e deságua numa avalanche de criticas e insatisfações no ambiente, ainda incógnito, das mídias sociais. A mídia tradicional continua a decidir o que é correto ou deixa de ser, o que é ou não espetáculo. Controla as rotas e passarelas que conduzem e formam a opinião, mas não decide mais sozinha. Perdeu a soberania e mesmo a hegemonia. Cedo ou tarde as mídias tradicionais se enfraquecerão. Cabe ao governo antecipar-se no debate da economia política, levando o tema para o cotidiano da mídia e do cidadão.

Faz parte das novas idéias que a presidente Dilma mencionou, com tanta repercussão, em seu recente discurso na ONU. Para isso, porém, o Estado precisa modernizar-se, ser mais democrático, levar as reformas - que para o Brasil são uma autêntica revolução - e, enfim, dar o exemplo. Por esse caminho, fica mais nítido o caminho que pode nós levar de um capitalismo de mercado para o capitalismo social, está também uma idéia antiga, à espera de nova roupagem.

Francisco Viana
De São Paulo

Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política pela PUC-SP, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: viana@hermescomunicacao.com.br)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Cansei...


Cansei.

Cansei dos hipócritas, dos falsos moralistas, dos “espertos”.

Cansei dos que entendem de tudo,

Dos que dão palpites sobre tudo,

Dos que não concluem nada.

Cansei da direita burra

E dos esquerdistas de ocasião.

Dos que não pensam o futuro.

Dos que cultuam o passado.

Cansei da liberdade de opinião

Que esconde a opinião contra a liberdade.

Cansei do fingimento, das mentiras da imprensa,

Dos analistas de fundo de quintal.

Dos que combatem a corrupção nas ruas

E a praticam em casa ou nos escritórios.

Cansei da religião mercantilizada,

Da fé a serviço do dinheiro.

Cansei dos “machões” da Avenida Paulista,

Das feministas da boca para fora,

Dos líderes do mundo ocidental e cristão,

Das celebridades de televisão.

Cansei do “glamour” dos idiotas,

Da sociedade de classes e seus defensores sem classe,

De certos acadêmicos,

Do Salgueiro ou das universidades.

Cansei do culto à boçalidade,

Da falsa ciência,

Da falsa antropologia,

Da falsa filosofia,

E do falso saber.

Cansei dos economistas de botequim,

Dos especialistas em coisa nenhuma...

Cansei dos pênaltis não marcados

Dos resultados arranjados

Dos crimes organizados

Dos telejornais ensebados

Dos âncoras bem maquiados

Dos galãs embolorados

Dos modernismos forçados

Do charlatanismo rebuscado.

Dos supremos tribunais

E seus ínclitos togados

Acima do bem e do mal.

Cansei do Congresso

E de muitos congressistas

Verdadeiros malabaristas,

Equilibristas e ilusionistas

Do tesouro nacional.

Cansei dos juros bancários,

Indecentes, extraordinários,

Dos impostos sonegados,

Dos dinheiros lavados.

Cansei dos ‘reality shows’

Da miséria cultural

Vestida com arrogância

Vendendo gato por lebre

Transformando o cidadão

Num idiota normal

Inoculando o medíocre

Como coisa natural.

Cansei das ‘famiglias’,

Dos lobbies dos bancos,

Dos lamentos inúteis.

Cansei, sobretudo,

Da turma do CANSEI!

Izaías Almada é dramaturgo, escritor e colunista do NR

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Marcos Coimbra: O voto distrital e a direita

por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense

Estão vendendo ao país duas teses falsas. Uma é dita explicitamente: que os problemas da democracia brasileira se resolveriam se tivéssemos o voto distrital. A outra fica sugerida: que sua implantação no Brasil seria algo simples.

Com impressionante velocidade, a direita brasileira se descobriu favorável ao voto distrital desde criancinha. Sem que exista qualquer motivo lógico que explique o porquê, políticos, intelectuais, empresários e jornalistas conservadores se encantaram com ele e começaram, em coro, a defendê-lo. Ao mesmo tempo, passaram a espinafrar o voto proporcional, que faz parte das regras do nosso sistema político desde o Código Eleitoral de 1932.

Em nenhum lugar do mundo havíamos visto coisa parecida. A argumentação em favor do voto distrital nunca teve cor ideológica, nunca foi bandeira da direita ou da esquerda. A discussão sobre suas vantagens e desvantagens sempre permaneceu no plano técnico.

Quem tem um mínimo de informação sobre o assunto sabe que não há sistema eleitoral integralmente bom ou ruim. Todos têm aspectos positivos e negativos.

Sabe, também, que faz pouco sentido falar em voto distrital no abstrato, assim como de voto proporcional puro. Cada país tem seu sistema, com coloração e particularidades únicas. Há tantos sistemas de voto distrital (e de voto proporcional) quantos países que o adotam.

Existem democracias plenamente funcionais e bem sucedidas com voto distrital, e (muitas) outras com as diversas formas possíveis de voto proporcional. Aliás, em termos puramente quantitativos, a maioria dos países democráticos do mundo tem algum tipo de voto proporcional.

É compreensível que a campanha que a direita brasileira está fazendo em favor do voto distrital não apresente os ponderáveis argumentos que existem contra ele. Seus responsáveis têm todo o direito de subtrair da opinião pública o que é contrário a suas preferências. Afinal, na guerra ideológica, o que menos importa são os fatos.

Não é o mesmo que se pode dizer de quem, na mídia, deveria se ocupar do jornalismo. Chega a ser lamentável que veículos de informação assumam função de pura desinformação.

Estão vendendo ao país duas teses falsas. Uma é dita explicitamente: que os problemas da democracia brasileira se resolveriam se tivéssemos o voto distrital. A outra fica sugerida: que sua implantação no Brasil seria algo simples, que “só depende da vontade política”. Ou seja: que não é feita porque “alguém” não quer.

É com teses desse gênero que se fazem as campanhas que os profissionais do marketing político chamam de “construção de agenda” (mal traduzindo a expressão norte-americana agenda building). Identifica-se um incômodo, dá-se-lhe uma explicação, põem-se a mídia para promovê-la e convocam-se as “pessoas de bom caráter” a agir.

Já vimos esse filme várias vezes: há um problema (por exemplo, a falta de empregos em uma economia avançada), cria-se um “culpado” (por exemplo, os imigrantes do terceiro mundo) e pede-se aos eleitores que votem em quem vai “resolvê-lo” (por exemplo, um partido de direita).

Quando os problemas são reais e preocupam as pessoas, a questão é convencê-las de que o diagnóstico de suas origens é correto. Se o admitirem, abraçarão “a causa”, o que fica tanto mais fácil quando mais alto a mídia bater o bumbo.

Há uma nítida e compreensível insatisfação da maioria da sociedade brasileira com o sistema político. Além de sua crônica dificuldade de assegurar a todos adequada representação, ele padece de vários vícios, dos quais o mais irritante é a corrupção.

A direita brasileira, através de seus núcleos de pensamento estratégico e intelectuais, quer fazer com que o país acredite que o PT e, por extensão, o governo (ou o que ela chama de “lulopetismo”) são a favor do sistema de representação proporcional porque assim se perpetuariam no poder. Quer, portanto, que “as pessoas de bem” se tornem defensoras do voto distrital, assegurando-as de que só com ele é possível simplificar as eleições, aumentar a responsabilidade do eleito, a vigilância do eleitor, acabar com a corrupção.

Não existe qualquer evidência, seja baseada em nossa experiência com o voto distrital (pois já o tivemos durante várias décadas), seja na de outros países, que permita afirmações desse tipo. Nem ele é garantia de solução para tais problemas, nem faz sentido dizer que o voto proporcional os provoca.

É improvável que a direita fale essas coisas por ignorância. Mais fácil é imaginar que, apenas, finge saber como dar resposta às justas preocupações da sociedade.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Brasil de Fato: Quem paga a roubalheira é o povão

Cenas da luta de classes na administração do Estado

O país precisa urgente de um mutirão de debates sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento para o país

Editorial Ed. 436, do Brasil de Fato

Nos últimos dias assistimos a vários episódios que revelam como se desenvolve a luta de classes em torno do controle dos recursos públicos e da forma de administrar o Estado brasileiro. A análise desses fatos mostra claramente que é preciso mudar a estrutura do atual modelo. Vamos aos fatos.

BNDES e o grupo Pão de açúcar

Os jornais da burguesia, até pelos interesses de frações de classe que cada um deles representa, escancararam a vergonhosa operação em que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – empresa pública federal – esteve envolvido, no financiamento por meio de transferência de recursos públicos para que se resolvessem as batalhas internas da burguesia, entre três setores. De um lado o maior grupo brasileiro da burguesia comercial, do empresário Abílio Diniz, que opera a rede de supermercados Pão de Açúcar e, de outro lado, dois grupos do capital francês, disputando entre si quem seria o privilegiado de abocanhar e repartir a taxa de lucro que os Diniz conseguem com o oligopólio do comércio varejista no território brasileiro. Do capital francês, o grupo Casino – recomenda-se colocar o acento no final, assim: casinô, para não confundir com a jogatina, mas que na prática é quase a mesma coisa – e o conhecido grupo Carrefour.

Até hoje ninguém sabe ao certo qual dos dois grupos franceses vai ser sócio privilegiado da taxa de lucro brasileira, pois de qualquer maneira o Casino já possui parte das ações do grupo Diniz. E o mais provável é que a novela inter-burguesa termine com os três sócios do mesmo butim. Mas a gravidade não está aqui. A gravidade é que o BNDES, com recursos públicos, originários do tesouro, está financiando esta verdadeira jogatina inter-burguesa.

Esperamos que o governo federal intervenha, para evitar que ocorra essa malandragem. Por muito menor valor outros administradores públicos caíram!

Corrupção nos Transportes

Todos sabemos (até as pedras sabem!) que no Brasil as obras públicas financiadas com dinheiro público, no governo federal e na maioria dos governos estaduais, pagam pedágio aos políticos corruptos. Isso pode aparecer no superfaturamento, no financiamento das campanhas e outros subterfúgios que só Deus sabe. Mas que existem, existem. Frequentemente são denunciados, quando uma das partes, na hora de dividir o butim, se sente prejudicada. Agora, os refletores se voltam para cenas no Ministério dos Transportes: a denúncia de um esquema baseado na cobrança de propinas de 4% das empreiteiras e de 5% das empresas de consultoria que elaboram os projetos de obras em rodovias e ferrovias. O governo agiu rápido. Trocou alguns jogadores mais fracos, mas o time continua o mesmo. A sociedade brasileira está cansada disso.

Falta de recursos para a saúde

Não precisa ir aos rincões do país para assistir cenas de tristes episódios vivenciados pelo povo brasileiro, devido à falta de atendimento público na área da saúde. Basta ir a qualquer hospital da periferia das grandes cidades: enormes filas, desatenção, descomprometimento, e o povo largado à sua própria sorte. Uma vergonha! Claro que os recursos sempre serão limitados. Mas saúde e educação devem ser prioridade absoluta em qualquer sociedade.

A classe dominante brasileira, irresponsável, tirou o único imposto justo desse país que era a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que ajudava a aumentar as verbas para saúde. A classe média, egoísta, se protege nos convênios particulares. Há hoje no Brasil mais de 50 milhões de brasileiros que pagam convênios particulares para fugir das filas do Sistema Único de Saúde (SUS). E, mesmo assim, são espoliados, com taxas absurdas. As administradoras de convênios exploram duas vezes: de um lado, os consumidores de classe média, que pagam taxas absurdas; de outro, os profissionais de saúde que prestam atendimento, que recebem abaixo do valor justo.

Projeto de desenvolvimento

Esses três fatos demonstram as disputas da luta de classes na administração dos recursos públicos e do Estado brasileiro. Revelam também que a aliança eleitoral do PT-PCdoB-PSB com o PMDB-PTB-PDT-PP-PR , pode dar votos suficientes para eleger a presidenta da República, mas não consegue ser uma aliança político-social, de classes, para sustentar um projeto de desenvolvimento nacional sério. Isso porque a maioria dos políticos dos partidos burgueses não passam de lúmpen-burgueses, que apenas querem cargos públicos para se locupletarem e aumentarem seus patrimônios pessoais.

O país precisa urgente de um mutirão de debates sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento para o país, que atenda às necessidades do povo, e não apenas aos interesses de partidos e seus políticos. E o primeiro passo é as forças populares, sindicais, sociais, tomarem a iniciativa. Por isso são muito importantes as iniciativas como a jornada de mobilização da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em julho, e as demais mobilizações da classe trabalhadora organizada previstas para o período. Precisamos nos juntar – unidade em torno da classe trabalhadora – para gerar as energias e movimentar a construção de um projeto popular para o Brasil.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nosso país virou uma pocilga

Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar a fila no banco, mesmo que disfarçadamente.

José Lisboa Moreira de Oliveira*

O dia 30 de agosto de 2011 vai ficar marcado na história do nosso país como a data na qual o Brasil, de modo definitivo, virou uma pocilga. De fato, neste dia, 265 deputados federais absolveram a colega Jacqueline Roriz, considerando normal o fato de que ela tenha se beneficiado do propinoduto do Mensalão do DEM, liderado pelo ex-governador de Brasília, José Roberto Arruda. Mesmo a deputada tendo admitido publicamente que recebeu a propina, seus pares a inocentaram pelo simples fato de que ela não cometeu o crime na atual legislatura. Como se não bastasse os últimos casos de corrupção na esfera pública, as pessoas honestas deste país foram obrigadas a respirar mais este mau cheiro insuportável de corrupção que permanece impune.

Meu pai, hoje com 82 anos, só teve a oportunidade de estudar até a terceira série do ensino fundamental. Porém, frequentou a universidade da vida e, por meio dela, se tornou pós-doutor em vivências e em experiências. Como "professor de vida” nos ensinou muitas lições. Uma delas, que ele ama repetir até hoje, soa assim: "Quem faz um cesto, faz um cento”. Ou seja, o corrupto que fez uma coisa errada uma vez, o fará sempre. Além disso, ao absolverem a colega corrupta, os 265 deputados do nosso parlamento admitiram estar com "o rabo preso”. Fica-nos a impressão de que também eles devem ter participado ou têm intenção de participar de atos de corrupção como este e, por isso, não se sentiram livres para punir uma colega flagrada "com a mão na botija”. Com isso assinaram o próprio diploma de corruptos, que deveriam colocar em uma moldura chique e pendurá-lo na porta de entrada de seus gabinetes.

Mais uma vez ficou evidente a urgência da ética em nossa sociedade brasileira. Por ética entendemos a forma de ser no mundo por meio da qual o sujeito concreto se sente comprometido com a dignidade do ser humano e com a justiça social. Leonardo Boff define a ética como sendo tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivemos para que seja uma moradia saudável. Assim sendo, a ética não é outra coisa senão cuidar para que a Terra seja sempre uma morada saudável. É cuidar das pessoas de modo que elas, sentindo-se bem, possam, de fato, comprometer-se com a felicidade das demais. Portanto, cuidado e ética são sinônimos.

Hoje se fala demais de ética. Porém, isso não é o bastante. É indispensável que se desenvolva uma prática que torne eticamente correto o comportamento moral das pessoas em sociedade. Diante de fatos estarrecedores como este, ficamos escandalizados e decepcionados. Mas seria necessário admitirmos, com toda sinceridade e honestidade, que a corrupção está impregnada na cultura e na cabeça de todos nós. Estes 265 deputados que absolveram a colega corrupta não chegaram ao parlamento por acaso. Não tomaram o poder à força. Foram eleitos por brasileiros e por brasileiras. Logo, mais da metade dos eleitores de nosso país é formada de corruptos que elegem corruptos.

Aliás, não é difícil constatar como a corrupção está semeada entre nós. É bem conhecido o nosso "jeitinho brasileiro” de resolver os problemas. Estamos acostumados a práticas como "pagar por fora, pagar uma cerveja, pagar um guaraná, dar uma gorjeta” etc. Há o funcionário que massacra o colega, o estudante que copia e cola, o funcionário público que assina o ponto digital e some do seu local de trabalho, o professor que faz de conta que dá aula, o garoto riquinho que é flagrado cometendo delito e liga para o pai dele pedindo que fale com o policial etc. etc. Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar a fila no banco, mesmo que disfarçadamente.

Falta-nos a coragem de parar para refletir sobre essas coisas; falta-nos sensibilidade e racionalidade para entendermos que o corrupto não chega sozinho à esfera pública. Ele é levado por eleitores, por boa parte daqueles mesmos que, hipocritamente, ficam escandalizados quando escutam o noticiário sobre a corrupção.

Mas para que possamos mudar esta situação é indispensável que não confundamos ética com moral. Esta última compreende normas,regras de ação e fatos a ela relacionados. A moral seria um conjunto de princípios e de prescrições que as pessoas de um determinado grupo humano consideram válidos, bem como os atos reais deles decorrentes. A moral é normalmente determinada a partir da cultura, da filosofia e da ideologia dominante. Na moral as pessoas se atêm às normas fixas que lhes possam assegurar que elas não estão erradas. Porém, na ética as pessoas escolhem o que fazer não a partir do que "não está errado”, mas a partir da consciência de justiça e de dignidade humana que possuem. Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, defende que, em muitos casos, precisamos transgredir as normas da moral para fazer prevalecer a ética. Isso porque nem sempre o que é moral é o melhor para seres humanos reais. Às vezes a ética precisa ser "imoral”.

No caso da absolvição da deputada, seus colegas entenderam que tal ato não era "imoral”, uma vez que ela não tinha recebido a propina na atual legislatura. Ao fazerem isso os deputados seguiram a moral e ofenderam a ética. O fato deixou também evidente que os eleitores desses deputados são moralistas. Eles se escandalizam com a corrupção e se decepcionam com a política, mas na hora de votar, não pensam no bem comum, não usam a razão. Do contrário não teriam votado nesses 265 deputados que absolveram uma colega que confessou publicamente a prática de um ato de corrupção.

Nosso país virou uma pocilga. Sente-se o mau cheiro por toda parte. E não adianta fazer protestos em frente ao Congresso Nacional, lavando o chão e as rampas. Precisamos lavar as nossas consciências, pois o fedor que sentimos não vem só de Brasília, vem de dentro de nós mesmos, de nossas cabeças corruptas. Somos um povo de maioria corrupta, que vota em corruptos. É duro dizer isso a nós mesmos, mas, enquanto não tivermos a coragem de fazer isso, a corrupção não terá fim. Meu velho pai, pós-doutorado em vida, sempre nos ensinou que "quem se mistura com porcos, farelos come”. Se no atual momento o Brasil exala este fedor de pocilga é porque a maioria dos brasileiros está "comendo farelo”, votando em "porcos” que adoram enlamear-se na corrupção.

Se quisermos ser éticos, e contribuirmos para que exista ética no Brasil, devemos estar preparados para transgredir certo tipo de moral, fazendo prevalecer a ética. Melhor dizendo, precisamos ter a coragem de lutar e de nos comportarmos de forma tal que as nossas normas morais coincidam com a ética.

Ainda resta o apelo ao Judiciário. Mas será que este poder também não vai trocar a ética pela moral, como fizeram recentemente com a chamada Lei da Ficha Limpa? Não foram estes nobres magistrados que permitiram que políticos comprovadamente corruptos, eleitos no último pleito, voltassem ao Congresso só porque não cometeram seus delitos na atual legislatura?

Vale a pena chamar em causa o meu conterrâneo Ruy Barbosa que quase cem anos atrás, em 1914, assim falava aos seus pares: "A falta de justiça, Senhores Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais. A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas. De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.

Ou, talvez, quem sabe, convidemos Aristóteles para que depois de vinte e quatro séculos volte e grite em nossas praças: "O mal prevalece quando os bons se calam”. Lembrando que para o filósofo grego bom é aquele que ama a ética, no sentido antes explicado.

(*) Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ALEGRIA DE ESTAR VIVO


Nenhuma notícia na imprensa pátria. Desconhecimento absoluto. Como se nada houvesse acontecido. No entanto, ocorreu. Uma onda de suicídios de executivos varre a França.

A França é o país europeu onde mais se verificam atos de morte voluntária. Todos os anos, mais de cento e sessenta mil pessoas atentam contra a própria vida. Doze mil morrem.

O caso francês, com situações correlatas em outros países da União Europeia, indica uma situação social de anormalidade. A Europa encontra-se esgotada.

O velho continente já não aponta para novas conquistas intelectuais ou materiais. Está em processo de fragilização. No entanto, muitos brasileiros ainda ficam extasiados quando se referem à Europa.

São incapazes de perceber que o vento do novo sopra sobre a América Latina, apesar das aparências por vezes em contrário. É neste continente - exatamente o Novo Mundo - onde se realizam as grandes mudanças.

Após anos de colonização direta e mental, os latino-americanos compreenderam a importância de se debruçar sobre as próprias raízes e captar a seiva que vem desta experiência.

Já não há menosprezo para os autóctones. Ser descendente dos colonizadores ibéricos já não é importante. Leva-se em consideração, na atualidade, o saber viver os valores locais.

Durante séculos, a História dos povos latino-americanos foi contada de acordo com a ótica do colonizador. Tudo era visto, a partir das descrições dos padres missionários.

A situação mudou. Os antigos manuais utilizados nos confessionários foram postos de lado. O pesado complexo de culpa que era disseminada na sociedade foi superado.

Hoje, nos trópicos e subtrópicos vive-se mais espontaneamente. De acordo com a natureza e de conformidade com valores elaborados, por aqui, no decorrer dos séculos.

Os surtos de melancolia que percorrem a Europa não atingem as praias do Atlântico Sul ou do Pacífico austral. Novas formas de convivência brotaram abaixo do Equador, de maneira acentuada no Brasil.

Não recebemos os acordes tristes do fado. Ficamos com os ritmos vibrantes da África. Admiramos a capoeira e a transformamos no balé das terras do Sol.

Tudo isto parece mero ufanismo. Talvez seja. É incontestável, contudo, que se vive, nestas terras ensolaradas, de maneira diferente de nossos ancestrais europeus.

Eles trouxeram as velhas tradições de culto aos mortos. Ergueram cemitérios grandiosos. A morte se encontrava presente em todos os aspectos do cotidiano.

Nada, porém, menos presente nos costumes nacionais que a morte. Diferente de outros povos, onde o culto à morte é fundamental, os brasileiros amam a vida.

Querem viver e deixar viver. A dramática onda de suicídio presente na França, dificilmente ocorreria por aqui. As pessoas contam, aqui, com tantos desafios. Estes geram otimismo espontâneo.

É importante que os brasileiros, especialmente aqueles que se orgulham de suas posições acadêmicas, exponham mais sobre o Brasil e suas qualidades.

São poucos os mestres que buscam na História do Brasil base para suas aulas. Gostam de mostrar erudição. Citar autores nacionais parece pouco qualificado.

São os intelectualmente colonizados. Precisam se libertar das amarras com o velho continente sem vigor. A nostalgia não é sentimento presente na alma brasileira.

Aqui se vive intensamente. Os corpos possuem a vibração vinda da própria atmosfera. É preciso entender as exigências de nossa sociedade sob pena de alienação.

Os dramáticos suicídios disseminados entre os franceses demonstram um esgotamento de energia no espaço europeu. Vamos aproveitar a energia de nossa gente e construir novas formas de convivência.

Cláudio Lembo De São Paulo