sábado, 24 de setembro de 2011

Democracia, imprensa e economia política - Mídia Envelhecida

Na ONU, a presidente Dilma Rousseff tocou no candente tema do envelhecimento das idéias do mundo industrializado e acenou com os novos horizontes de repensar a vida. O pano de fundo, é sem dúvida, a crise econômica que se insinua em meio às carcomidas estruturas de uma economia de mercado que baniu do seu léxico a palavra limites e se movimenta com ambições ilimitadas. Contudo, vale lembrar, muitas das novas idéias estão no passado e precisam ser atualizadas. Uma dessas idéias é a economia política, tema que as nossas mídias, inclusive a imprensa de esquerda, esqueceu. O que acontece?

A sociedade brasileira precisa apreender, e praticar, o conceito de economia política. Historicamente, nossas atenções se voltam para a política econômica. Trata-se da doutrina das corporações, em articulação com o Estado, para expropriar os ganhos do trabalho. É isto que faz com que o capital custe caro, os juros desafiem a gravidade e os impostos figurem entre os mais elevador do mundo. Tais distorções podem ser encontradas em todo o sistema tarifário brasileiro e, em especial, no sistema jurídico. A distância entre a política econômica e a realidade do cidadão, no sentido efetivo, é na essência, isto é a característica mais recorrente, o sistema de controle da sociedade. Vendo-se por esse ângulo fica a sensação de que não há saídas para as crises, sempre recorrentes. O cidadão, nessas condições, é sempre objeto, jamais sujeito, salvo se exigir mudanças sistêmicas.

Em outras palavras, a supressão da filosofia social de participação democrática está fundamentada na ação não dialética da política econômica. Seus movimentos restritivos se repetem, ampliando o grau de dependência social do cidadão, em lugar de emancipá-lo, como seria natural no sistema democrático. E democracia significa economia política, não apenas política econômica, em harmonia com a vida dos cidadãos.

A imprensa brasileira não discute a economia política. Sua teoria e prática, fundamentada numa visão ética do tipo neoplatônica - bons governos, boas leis, organização matemática da sociedade - concentra-se na política Econômica. Se há perversões, estas decorrem dos desvios dos governantes e de gestores, não das circunstâncias sistêmicas. São de responsabilidade dos indivíduos, nāo do sistema. Essa política não dialética, apartada de transformações radicais do ser social, substitui a pedagogia de uma imprensa que forme e informe o conhecimento, o interesse participativo e o direito, por uma postura denuncista.

Substitui, igualmente, o papel da imprensa como semeadora da vida em harmonia com a justiça, o bem (no sentido da não ilusão) e a organização coletiva da sociedade pela ênfase a personagens ícones nas diferentes esferas da vida. É por isso que entre as empresas jornalísticas prevalece o antigo método americano de que a boa notícia é a má noticia. Ou, da ênfase ao sucesso excepcional, absolutamente diferente, ao que se constitui a exceção. O culto aos fatos isolados é o culto à repetição, como acontecem com as denúncias de corrupção e as crises. E, se existem mudanças de método, são superficiais, resumindo-se à prestação de serviços. A imprensa, dessa forma, transforma-se num instrumento de controle, não de efetivo aperfeiçoamento democrático.

Na verdade, é graças à não discussão da economia política que a técnica do denuncismo, voltada para desvios éticos, vem funcionando de forma tão segura quanto a relojoaria avançada. É um Edifício que permanece intocado pelos governos que se sucederam com as eleições presidenciais livres, a partir dos anos 90. A filosofia social da mídia brasileira, contudo, é bem mais antiga. A negação dos sujeitos sociais sedimenta-se e se amplia desde o primeiro jornal brasileiro. O Correio Braziliense que nasceu no exílio, em Londres, pregava a independência com relação as cortes portuguesas, mas entendia que o povo devia ser mantido à distancia do poder. Ou, no máximo, como ocorreu na Revolução Francesa, na sua face reacionária, associar-se à futura classe dominante para conquistá-lo e, logo, ser afastado.

Os pressupostos mecanicistas da lei e da ordem, como pré-requisitos da liberdade, permanecem. É esta censura, com a permanente recusa aos fatos, que concebe o estado como organismo que reprime a democracia real, que tem referência na liberdade, como motor dinâmico da ordem, e não o contrário, a liberdade sendo a criadora efetiva da ordem. Há um choque crescente, no país, entre as leis formais e o Brasil real. Vários elementos podem explicar as suas formas anatômicas. De um lado, a reflexão sobre a democracia como sistema garantidor dos direitos individuais e coletivos, não é um tema atual. Não há sequer um debate amplo em torno dos direitos de participação e de fiscalização, pela sociedade, dos limites dos poderes públicos e privados, mas a palavra democracia, associada a liberdade, ganha livre trânsito.

Opõem-s ao neoliberalismo, converge para uma concepção republicana. Traz o cidadão para o centro das decisões publicas, independente da vontade dos governantes. Põe a nu as ambigüidades e contradições da grande imprensa. Se o modelo liberal conduz à despolitização, a palavra democracia é politizadora ao longo do tempo. Essa nuança enfraquece o poder da mídia tradicional e deságua numa avalanche de criticas e insatisfações no ambiente, ainda incógnito, das mídias sociais. A mídia tradicional continua a decidir o que é correto ou deixa de ser, o que é ou não espetáculo. Controla as rotas e passarelas que conduzem e formam a opinião, mas não decide mais sozinha. Perdeu a soberania e mesmo a hegemonia. Cedo ou tarde as mídias tradicionais se enfraquecerão. Cabe ao governo antecipar-se no debate da economia política, levando o tema para o cotidiano da mídia e do cidadão.

Faz parte das novas idéias que a presidente Dilma mencionou, com tanta repercussão, em seu recente discurso na ONU. Para isso, porém, o Estado precisa modernizar-se, ser mais democrático, levar as reformas - que para o Brasil são uma autêntica revolução - e, enfim, dar o exemplo. Por esse caminho, fica mais nítido o caminho que pode nós levar de um capitalismo de mercado para o capitalismo social, está também uma idéia antiga, à espera de nova roupagem.

Francisco Viana
De São Paulo

Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política pela PUC-SP, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: viana@hermescomunicacao.com.br)

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